frase do dia: ‘a homofobia é mais uma constatação da perda da ternura no mundo, ser
preconceituoso com os LGBTs é retroceder; além de prejudicar o crescimento humano.’

(letícia spiller - atriz brasileira)

última atualização: 19/08/2009 20:36:42

sábado, 21 de julho de 2007

ela e ela: elizabeth bishop e maria carlota de macedo soares

viveram 15 anos juntas.

a história de Lota e Bishop é intensa, o encontro de dois gênios, Lota a criadora do Aterro do Flamengo, modernista, carioca apaixonada e Bishop uma das maiores poetisas da língua inglesa.

Elizabeth Bishop (foto da esquerda) é considerada a maior poetisa norte-americana do século 20. O melhor de sua produção se deu nos anos de reclusão com Lota Soares, na Casa da Samambaia em Petrópolis. Ali produziu “Poems”, que lhe valeu o prêmio Pulitzer (1956) e o reconhecimento internacional. Para Lota, ela escreveu “Banho de Xampu”. No Brasil, Bishop livrou-se de um passado negativo: era alcoólatra e tinha problemas com a falta de uma família. O pai cometeu suicídio quando ela tinha oito meses e a mãe que entrou em surto psicótico a partir disso, passou o resto da vida em clínicas psiquiátricas.

A escritora chegou ao Brasil em novembro de 1951, fugindo de mais uma crise. Consultora de poesia na Biblioteca de Washington, mas julgando-se incapaz para o cargo, caiu em depressão e buscou refúgio numa colônia de escritores. Quando bebia demais, ela mesma se internava. Achou que era hora de realizar o sonho de uma viagem de circunavegação pela América do Sul. Pode-se dizer que o motivo inicial da permanência de Bishop no Brasil foi a ingestão de um caju, que lhe provocou uma crise alérgica, inchando e deformando suas mãos e rosto. A atenção dispensada pelos brasileiros a encantou, e mais ainda a declaração de amor que Lota lhe fez. Tendo vivido com os avós maternos numa aldeia de pescadores, a paisagem de Petrópolis fez com que retomasse um olhar sobre sua própria infância. Por volta dos sete anos foi morar com os avós paternos, cercada de pessoas sisudas. No conto "A Ratinha do Campo", escreve que se sentia ‘com o mesmo status do cachorro da casa”. Na adolescência, descobriu sua homossexualidade, o que a tornou ainda mais arredia e silenciosa.

Maria Carlota de Macedo Soares (foto da direita), a Lota veio de família da elite carioca. Dirigia um Jaguar, usava calça jeans e camisas. Não fez universidade, mas teve aulas com ilustres como o pintor Cândido Portinari e tornou-se uma esteta com conhecimentos profundos em arquitetura e urbanismo. Sua obra de maior visibilidade foi o Aterro do Flamengo, que lhe rendeu desavenças, sobretudo com o paisagista Roberto Burle Marx. Lota Macedo Soares também sofreu com problemas familiares. Desgastada emocionalmente com a separação dos pais, resolveu morar sozinha aos 25 anos, o que já significou um pequeno escândalo na alta sociedade. Retornando de um período em Nova York, quis construir seu retiro no terreno da serra recebido como herança, no bairro de Samambaia, em Petrópolis.

Com ajuda do arquiteto Sergio Bernardes projetou a casa de Samambaia, um marco da arquitetura brasileira moderna. Nos sete anos que duraram as obras, Lota e Bishop viveram em condições inóspitas, sem água, sob a luz de lampião. Quando Carlos Lacerda tornou-se governador da Guanabara no final de 1960, em nome da amizade pessoal, Lacerda convidou Lota a realizar uma obra pública. Começou então o tumultuado processo de construção do Aterro do Flamengo, encabeçado por uma mulher sem diploma universitário. Para aterrar a área, o morro de Santo Antonio foi desmanchado a jatos d’água. Para criar a praia do Botafogo, retirou-se areia do fundo do mar, com a mesma draga que abriu o Canal do Panamá. Com a derrota do candidato de Carlos Lacerda em 1965, Lota foi retirada do comando dos trabalhos, o que resultou em três meses de internação para sonoterapia. Quanto à relação com Elizabeth Bishop, houve um desgaste inevitável devido aos cinco anos de obras no Parque, com Lota trabalhando de 12 a 14 horas por dia. Relegada, a poetisa voltara ao álcool e não mais produzia, acabando por aceitar um convite para dar um curso em Seattle.

Quando voltou em meados de 1966, Bishop já tinha outra companheira, bem mais jovem. Preterida, Lota tornou-se neurótica e transferiu a obsessão pelo trabalho para a ex companheira, que saiu de cena a pedido dos médicos. Em setembro de 1967, Elizabeth Bishop recebeu em Nova York a visita de uma mulher totalmente fragilizada, física e mentalmente. Na mesma noite da chegada, Lota tomou um vidro de Valium. Depois de uma semana de coma, seu coração parou. Bishop depois de resolver complicadas pendências judiciárias, relativas à herança que Lota lhe deixou, retornou definitivamente aos Estados Unidos, onde ensinou poesia em Harvard e na New York University. Faleceu em 1979 vitimada pelo rompimento de um aneurisma.

(por Nadia Nogueira – historiadora e professora da UNICAMP)


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