sistema Sentada numa cadeira onde estive sentada por dezenas de vezes, esperei o promotor entrar na sala de audiência. Sete anos aguardando pela Justiça, a Justiça tarda, mas não falha, não é o que dizem? Talvez o juiz adie de novo - o promotor falou-me ao ouvido -, mas não desanime, hoje justiça será feita - e quando fui chamada para testemunhar, ele ainda cochichou: não complique, seja apenas sincera. O advogado de defesa aproximou-se e falou-me com desdém: descreva o que aconteceu naquela noite. - Fui estuprada. - Detalhes, por favor. - Prefiro não — respondi secamente. - E por que não? - Porque me é penoso...Difícil de lembrar. - Difícil de lembrar?! Ele virou-se em direção ao juiz: excelência, esta mulher tem problemas de memória. Não é uma testemunha confiável. Peço que as acusações sejam retiradas e o processo arquivado. - Não! - gritei - eu quis dizer que me é penoso de... - Nada mais a perguntar! - falou o advogado - estou satisfeito. - Mas... - Retire-se - disse o juiz. Voltei à minha cadeira de novo, lábios cerrados, rezando para que as lágrimas surgissem no meu rosto, mas os sete anos de espera me secaram, não os sete anos de constantes adiamentos e sim, sete anos tentando não esquecer, reviver tudo, o rosto cruel, as mãos calejadas, o cheiro do suor... No saguão, o promotor aproximou-se com ar compungido: desculpe-me, mas você sabe como é. - Como é o quê? - O rapaz é de boa família, houve acordo e... Agarrei minha bolsa, apertei-a junto ao peito como se quisesse esmagá-la. Como se fosse ela a culpada. (por dominique lotte)
preconceito Quando Aída Curi foi currada, estuprada, violada, morta por três homens, ouvi gente puritana dizer ainda: — "Bem feito! Quem mandou ser leviana?" (por leila míccollis)
Aída Curi, de 18 anos, recém saída de um colégio foi violentada e jogada de um prédio na Avenida Atlântica (Copacabana) em 1958, pelo porteiro Antônio João, por Ronaldo de Souza Castro e pelo menor Cássio Murilo. O homicídio teve repercussão nacional numa época em que muito se falava da juventude transviada de Copacabana, formada por jovens de classe média, poucos estudavam e nenhum deles trabalhava. Aída Cúri morreu duas vezes. A primeira quando os monstros a atiraram do alto do edifício e segunda quando o júri espezinhou a sua memória, absolvendo um criminoso da laia de Ronaldo Guilherme de Souza Castro. Na hora em que o Juiz pronunciou a sentença absolutória rapazes e moças bateram palmas, viram em Ronaldo o seu ídolo e o seu patrono. Em São Paulo, durante um baile, meninas e rapazes gritaram 'Ronaldo! Ronaldo!', no instante em que lá chegou a notícia de que o matador de Aída conseguira escapar às garras curtas da Justiça. (fonte:O Cruzeiro)
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