No dia 19 de agosto de 1983, em São Paulo, aconteceu o mais importante protesto lésbico ocorrido até hoje no Brasil. Em plena ditadura, quando poucos se arriscavam a exercer o direito negado da liberdade de expressão, lésbicas de São Paulo lideradas por Rosely Roth deram seus gritos por uma sociedade mais justa, menos machista e menos homofóbica. Elas eram freqüentadoras do Ferro's Bar, um ponto GLS da cidade, e foram proibidas de entregar o jornalzinho “Chanacomchana” dentro do estabelecimento. Revoltadas com a atitude da administração do bar, já que eram elas mesmas que o sustentavam, organizaram um protesto na frente do estabelecimento, onde foram até mesmo proibidas de entrar. O ato deu o que falar, pois estavam presentes, além de toda a comunidade GLS e simpatizantes locais, policiais, políticos e vários veículos de comunicação, que estavam dispostos a notificar o evento. As mulheres que foram à luta podiam muito bem parar de freqüentar o bar, e este com certeza fecharia, mas não podiam se calar, e perder mais um lugar, entre os poucos que restavam para se reunir, e se divertir. Venceram, e distribuíram o “Chanacomchana” para todos os presentes, inclusive ao dono do bar que deixou bem claro que queria ser o primeiro a ler o jornal. Logo depois, ocorreu a primeira reunião de grupos lésbicos organizados no país. Hoje, centenas de grupos se reúnem para estudar novas idéias e propostas para melhorar a qualidade de vida e o reconhecimento da comunidade lésbica. Em 2002, houve uma proposta de se resgatar a beleza dos fatos históricos que envolveram a história do orgulho lésbico brasileiro, retratando os fatos e as percursoras da nossa história. Em 19 de agosto de 2003, a coordenadoria de lésbicas da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo comemorou pela primeira vez o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil, com a retratação dos fatos históricos. O evento abordou a luta das mulheres lésbicas no Brasil por todos esses anos e refletiu sobre como podemos nos orgulhar de sermos mulheres, lésbicas. De sermos nós mesmas. É importante para nós lésbicas reconhecermos que temos uma história, que somos fruto de uma luta de décadas por aceitação e respeito. Lembremos essa data, como um marco para podermos dizer a todos que nós temos orgulho de ter vencido muitas batalhas e que temos orgulho de continuar lutando para termos mais respeito da sociedade em que vivemos. E que temos muito orgulho de ser o que somos.
(por Alessandra Guerra)
Nota: No endereço Rua Martinho Prado, 119, Bela Vista onde funcionou o legendário Ferro´s Bar, que tive a honra de conhecer, hoje funciona a casa noturna Xingu, o clubinho tornou-se cult, principalmente por causa do falado electro, música eletrônica de viés retrô, repleta de sintetizadores. A decoração brinca com o kitsch, com cortinas de paetê, plumas e cubos de vidro.
A polêmica em torno da data
(ponto de vista defendido pela militante Virgínia Figueiredo)
Não existe no movimento lésbico brasileiro uma unanimidade em torno da comemoração da data. Ativistas do Rio de Janeiro comemoram no dia 29 de agosto o Dia da Visibilidade Lésbica, data instituída durante o I Seminário Nacional de Lésbicas, realizado no dia 29 de agosto de 1995, com a presença de lideranças do nosso movimento, com representação de vários grupos de lésbicas e independentes. Com todo respeito a Roseli, mas 19 de agosto, data comemorada em São Paulo é um orgulho regional, é uma coisa de quem conheceu e freqüentou o Ferro's Bar e morava em São Paulo e não na proporção nacional de quem já tem esta data em seus calendário de luta desde 1996. A construção se dá com a união e 29 de agosto representa a hegemonia do movimento.
As lésbicas e seu movimento específico
(considerações de Nilza Iraci - coordenadora de comunicação do Geledés - Instituto da Mulher Negra; São Paulo/SP)
O movimento lésbico vem participando das manifestações em São Paulo, do 28 de junho, Dia do Orgulho LGBT, data criada nos Estados Unidos para lembrar o massacre feito pela repressão policial no Stonewall Inn, bar freqüentado por homossexuais. Entretanto, vem crescendo a insatisfação de algumas mulheres com a inexistência, dentro da organização da Parada, de um espaço especialmente dirigido para a atuação das lésbicas na organização do evento, e essa situação levou-as à criação de um espaço próprio de visibilidade de suas questões, como já vem acontecendo através de organizações de lésbicas em todo o país. A pergunta que fica é: por que uma organização específica se a causa é comum? Ao contrário do que se imagina, as relações entre gays e lésbicas nem sempre são marcadas pela solidariedade. Os homens gays carregam as heranças de uma cultura patriarcal e machista, com a conseqüente ausência de compreensão sobre as questões de gênero. Várias ativistas lésbicas chamam a atenção de que os homens gays não estão imunes ao machismo. Para Mirian Weber, "homens são homens; independentemente de sua identidade sexual, todos foram criados em uma cultura patriarcal/machista". Rosangela Castro comenta a dificuldade dos homens gays, por exemplo, em escrever nas suas convocatórias: "companheiros e companheiras". "Eles simplesmente esquecem”.
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